A decisão do ex-presidente norte-americano e agora novamente candidato Donald Trump, de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de Agosto, deflagrou uma nova fase de tensão nas já frágeis relações entre os Estados Unidos e o Brasil. O anúncio, feito unilateralmente por Trump, causou abalos nos mercados, provocou respostas diplomáticas contundentes e reacendeu o debate sobre as práticas comerciais e políticas externas entre as duas nações.
Mercado em alerta: Impactos imediatos no Brasil
Logo após a divulgação do anúncio, o Ibovespa sofreu uma queda acentuada, enquanto o dólar disparou mais de 5% em relação ao real. A instabilidade no mercado foi interpretada como reflexo da preocupação dos investidores com o potencial impacto das tarifas sobre empresas brasileiras exportadoras, sobretudo dos sectores agro-industrial, siderúrgico e de tecnologia.
Analistas do UBS consideram que, apesar da severidade da medida, existe a possibilidade de as tarifas não se manterem por muito tempo, dada a conhecida estratégia de “ataque e recuo” de Trump em disputas comerciais. No entanto, a resolução do conflito poderá demorar, sobretudo se for necessário passar por vias judiciais e negociações diplomáticas prolongadas.
Justificativas controversas e legalidade questionada
Para aplicar tais tarifas, Trump deve recorrer à Lei de Poderes Económicos Emergenciais, que exige a declaração formal de uma emergência nacional — mecanismo utilizado anteriormente contra o Canadá e o México. Contudo, especialistas apontam que o caso brasileiro é mais complexo: o Brasil importa mais dos EUA do que exporta, o que dificulta a justificativa legal para uma medida tão drástica.
A constitucionalidade dessa decisão ainda será avaliada pela Suprema Corte dos EUA, numa acção que poderá definir os limites dos poderes presidenciais em matéria de política comercial externa.
Motivação política: Entre o comércio e a ideologia
Fontes diplomáticas e analistas políticos apontam que as motivações por trás da imposição das tarifas não são puramente económicas. A decisão parece alinhar-se à postura nacionalista e combativa de Trump frente ao avanço dos países do BRICS em direcção a uma nova ordem económica global.
Trump já manifestara desconforto com a tentativa de substituição do dólar como moeda de referência global, proposta dentro do BRICS. Além disso, o pedido do Brasil por uma reforma no Conselho de Segurança da ONU e as críticas à actuação do país frente às grandes empresas tecnológicas americanas (as chamadas BigTechs) aumentaram as tensões.
A carta enviada por Trump ao governo brasileiro gerou ainda mais polémica ao incluir, logo no início, um parágrafo fora de contexto, onde exige o fim da “perseguição política” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, referindo-se ao que denominou de “caça às bruxas” — um conteúdo desconectado do restante da argumentação comercial, mas com forte carga política e ideológica.
Estratégia Brasileira: Frieza diplomática e articulação técnica
A resposta brasileira tem sido cautelosa. O governo prefere não reagir impulsivamente e aguarda que os EUA assumam a iniciativa de reabrir o diálogo. As negociações técnicas e diplomáticas estavam em curso antes do anúncio das tarifas, mas foram interrompidas abruptamente pela decisão unilateral de Trump.
Segundo Roberto Azevedo, ex-director-geral da OMC e negociador veterano, a prioridade agora é “manter a cabeça fria” diante de medidas aparentemente irracionais. Ele relembra o êxito da “retaliação cruzada” durante a chamada Guerra do Algodão, quando o Brasil ameaçou quebrar patentes de medicamentos, o que forçou os EUA a pagar compensações milionárias.
Entretanto, Azevedo alerta que o contexto actual é mais político e menos institucional que naquele episódio. A crise de confiança na OMC e a polarização ideológica entre governos dificultam soluções baseadas em mediação multilateral.
Caminhos legais e possibilidades técnicas
No campo jurídico, analistas apontam que Trump poderá enfrentar dificuldades para sustentar a imposição das tarifas. A utilização da Seção 122 da lei de comércio dos EUA, que permite tarifas temporárias de até 15% por 150 dias, é vista como uma via alternativa — embora insuficiente para justificar os 50% anunciados.
Outra via em discussão é a Seção 301, frequentemente utilizada para investigar práticas comerciais consideradas injustas. No entanto, este processo pode levar entre 12 a 18 meses, um período considerado longo para o ritmo actual dos acontecimentos.
Há ainda possibilidade de importadores norte-americanos recorrerem ao Tribunal de Comércio Internacional em Nova Iorque, argumentando que as tarifas prejudicam as cadeias produtivas internas. Caso tenham êxito, a decisão pode reverter os efeitos da medida de forma mais célere.
Mobilização nacional e pressão interna nos EUA
Em Brasília, cresce a defesa do uso da Lei da Reciprocidade, como forma de mostrar que o Brasil não aceitará passivamente a imposição de sanções. No entanto, membros do governo alertam para o risco de que retaliações precipitadas se voltem contra a economia brasileira, prejudicando sectores já fragilizados.
Há também a expectativa de que lobbies empresariais norte-americanos pressionem o Congresso dos EUA e mesmo a Casa Branca, por serem directamente afectados pelas tarifas e pelas potenciais medidas retaliatórias brasileiras.
Um conflito com ramificações profundas
Embora a medida tenha sido inicialmente interpretada como um episódio de “pressão negocial”, analistas começam a perceber um viés geopolítico mais profundo na acção de Trump, que parece disposta a reacender conflitos diplomáticos para fortalecer sua base eleitoral interna.
Do lado brasileiro, permanece a postura de defesa firme, mas diplomática. O Itamaraty e o Ministério da Indústria e Comércio preparam-se para accionar todos os mecanismos disponíveis, incluindo a mobilização do sector privado e organismos internacionais.