Às vésperas das comemorações do Dia da Bastilha, o Presidente francês Emmanuel Macron anunciou um reforço substancial nos gastos com defesa nacional, no valor de 6,5 mil milhões de euros adicionais até 2027, com o objectivo de acelerar o plano já em curso de duplicação do orçamento militar até 2030.
Com esta decisão, Macron pretende antecipar em três anos a meta inicial, alegando que a Europa enfrenta actualmente a sua “maior ameaça desde a Segunda Guerra Mundial”. A declaração foi proferida durante um discurso às Forças Armadas, onde o Chefe de Estado destacou a necessidade urgente de a França — e por extensão a Europa — alcançar “autonomia estratégica real” no campo da defesa.
“A liberdade da Europa está ameaçada de forma inédita. Não podemos continuar a depender da protecção externa. A nossa segurança deve ser garantida pelos próprios europeus”, afirmou Macron, perante altos comandos militares e representantes do complexo industrial militar francês.
O Alerta Militar: Rússia como Adversário Directo
A retórica de Macron surge poucos dias depois de o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da França, general Thierry Burkhard, ter declarado publicamente que a França se tornou o principal adversário da Rússia na Europa. Segundo o general, o continente europeu pode sofrer uma agressão directa de Moscovo antes de 2030, razão pela qual urge preparar as forças armadas francesas para um novo patamar de prontidão operacional.
O anúncio do presidente insere-se assim numa mudança estratégica que visa não só o fortalecimento do arsenal francês, como também a mobilização da indústria de defesa em ritmo de economia de guerra.
“Precisamos de mudar a mentalidade nacional. A defesa deixou de ser um luxo ou uma despesa opcional. Passa a ser prioridade nacional permanente”, sublinhou Macron.
Produção em Larga Escala e Aliança com a Europa
A actualização da Lei de Programação Militar, prevista para ser submetida ao parlamento no Outono de 2025, incluirá metas de produção militar de grande escala, com especial destaque para aviões de combate, munições, drones, sistemas antiaéreos e ciberdefesa.
A França está igualmente a reforçar parcerias com outros países europeus e com a NATO, embora Macron insista na defesa de uma Europa com capacidade de acção independente. Desde 2017, o presidente tem defendido o conceito de “autonomia estratégica europeia”, o qual visa reduzir a dependência militar em relação aos Estados Unidos.
“A França nunca deixou de investir na sua defesa. É a única potência nuclear da União Europeia e a única com presença militar activa em múltiplos continentes. Agora, é tempo de escalar a nossa produção — e a nossa influência”, declarou um conselheiro do Eliseu sob anonimato, citado pela Le Monde.
Orçamento, Dívida e Incerteza Económica
O plano ambicioso esbarra, contudo, num contexto económico desafiante. O governo francês já enfrenta dificuldades para aprovar cortes orçamentais no valor de 40 mil milhões de euros, sem recorrer ao aumento de impostos. Questionado pela imprensa, o Primeiro-Ministro Gabriel Attal afirmou que a subida nos gastos com defesa será financiada “com responsabilidade fiscal”, mas não explicou de onde virão os fundos.
Economistas alertam que uma redução forçada das despesas sociais e administrativas poderá provocar uma desaceleração económica, afectando negativamente o crescimento e o consumo interno.
“A França está a tentar equilibrar segurança com sustentabilidade. Mas as escolhas orçamentais têm impacto directo na coesão social. Cortar para armar pode ser politicamente arriscado”, analisou Cécile Ducros, economista do Instituto de Estudos Europeus.
Motivações Políticas e Aposta em Liderança
Com apenas 21% de aprovação popular, segundo sondagens do Ifop, Macron enfrenta críticas internas e disputa de protagonismo com o Primeiro-Ministro Attal, que ganhou destaque na gestão da política interna, embora sem maioria parlamentar.
Analistas políticos vêem neste anúncio uma tentativa de Macron reafirmar a sua liderança e recuperar protagonismo num momento em que o debate sobre sucessão começa a ganhar corpo. Embora esteja constitucionalmente impedido de se recandidatar em 2027, o Presidente francês já sugeriu que poderia regressar em 2032, caso a legislação ou o clima político o permitam.
“Ele está claramente a jogar para a História. Quer deixar um legado de firmeza, visão estratégica e protagonismo internacional. Macron está a olhar além do seu mandato”, comentou Jean-Baptiste Durand, editorialista do Libération.
Geopolítica, OTAN e o Papel de África
O reforço da defesa francesa também tem implicações para o continente africano, onde a França mantém presença militar em antigas colónias, apesar da crescente hostilidade de populações e governos locais.
Com a saída da França do Níger, Mali e Burkina Faso, Macron procura reposicionar as Forças Armadas como instrumento de projecção global, agora com foco crescente em Europa Oriental, Sahel e Indo-Pacífico.
“A dissuasão continua a ser central na nossa doutrina. Mas os cenários actuais obrigam-nos a estar preparados para múltiplos teatros simultâneos”, afirmou o Ministro da Defesa, Sébastien Lecornu, ao jornal Le Figaro.
Conclusão: Uma Nova Doutrina Francesa de Defesa
O anúncio de Macron marca o início de uma nova fase da política de defesa francesa. Num mundo marcado por tensões geopolíticas, guerras híbridas e competição militar global, a França pretende liderar a Europa no campo da dissuasão e da preparação estratégica.
Contudo, as incertezas orçamentais, os desafios políticos internos e as divisões dentro da União Europeia poderão comprometer a plena execução deste plano.
“O esforço militar é legítimo diante das ameaças. Mas sem transparência fiscal e legitimidade política, corre-se o risco de reforçar o Estado, mas enfraquecer a sociedade”, conclui Laurent Berger, ex-líder da central sindical CFDT.
Subtema: Europa | França | Estratégia Militar
Fonte: Le Monde, Le Figaro, France24, RFI, Euractiv, Instituto de Estudos Europeus, Ifop
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